
Estudo emprega até acelerador de partículas para descobrir formato de uma das primeiras espécies com esqueleto
Publicado em 21 de setembro de 2025 às 16:00
3 min de leituraO texto abaixo foi publicado originalmente no Jornal da Unesp.
“Um penhasco desmoronou, e as criaturas lá embaixo, sepultadas pelo deslizamento de terra, foram pressionadas como flores contra um livro, suas características preservadas em detalhes prodigiosos.” É assim que o jornalista americano Bill Bryson narra a formação do Folhelho de Burgess, um sítio fossilífero na província canadense da Colúmbia Britânica de onde saíram alguns dos mais remotos indícios de vida animal já encontrados. O material lá encontrado se formou há 508 milhões de anos, o que o torna duas vezes mais antigo do que os primeiros dinossauros.
Não há dúvida de que se trata de um tesouro. Mas desde sua descoberta, em 1911, os paleontólogos se esforçam para entender exatamente o que têm em mãos. As dificuldades decorrem também do fato de que a interpretação dos fósseis é uma tarefa complexa. Bryson compara esse desafio às dificuldades enfrentadas por alguém que, sem jamais ter visto uma flor pessoalmente, se deparasse com os remanescentes ressecados e bidimensionais de uma e assumisse a tarefa de conceber o aspecto da planta viva e saudável, em três dimensões.
A metáfora de Bryson explica um desafio central em estudar os seres macroscópicos pioneiros dos períodos Ediacarano e Cambriano, encontrados em Burgess e em tantas outras jazidas de fósseis com idades similares. Essa biota antiquíssima contém, por exemplo, estruturas que poderiam ser patas mas também fariam sentido se interpretadas como espinhos — e mesmo dados básicos, como o plano corporal (se um animal é radial, como uma água-viva, ou tem simetria bilateral, como nós), permanecem ambíguos. Frequentemente, sequer é possível determinar onde essas espécies se encaixam na árvore da vida.
Em um artigo publicado em abril no periódico Royal Society Open Science, uma equipe formada majoritariamente por brasileiros relata a investigação de mais de 200 fósseis de um animal de nome científico Corumbella weneri, descrito pela primeira vez em 1982 com base em exemplares dos anos 1970 encontrados em uma mina de calcário nos arredores da cidade sul-mato grossense de Ladário, na fronteira com a Bolívia (outro município próximo é Corumbá, de onde saiu o nome latinizado).
A Corumbella é ainda mais antiga que os espécimes do Folhelho de Burgess: viveu na reta final do período Ediacarano, há cerca de 550 milhões de anos. Nessa época, uma biota aquática de criaturas plácidas, com corpo mole e alimentação majoritariamente por filtragem, estava dando os primeiros passos para uma guinada morfológica. No alvorecer do período seguinte, o Cambriano, que teve início há 542 milhões de anos, a evolução das primeiras carapaças, garras e órgãos dos sentidos gerou uma explosão de biodiversidade sem comparação no registro fóssil.
O objetivo da pesquisa era determinar qual seria a forma tridimensional da Corumbella. Isso exigiu o esclarecimento de uma série de confusões entre a morfologia e a tafonomia desse animal centimétrico. O termo tafonomia(do grego taphos, “enterro”) se refere a características do fóssil que foram causadas pelo próprio processo de fossilização, mas não apareciam no organismo original. Já a morfologia (do grego morphé, “forma”) diz respeito à configuração que o organismo realmente tinha.
Essa lista de características é consensual, mas há outros traços da Corumbella que vêm sendo objeto de disputa acadêmica nas últimas décadas. A primeira interpretação publicada dos fósseis desse bichinho, ilustrada abaixo, sugeria que ela tinha uma extremidade bifurcada (reconstituição 1, de 1982). Depois, uma releitura propôs que não havia bifurcação, mas que a parte superior era quadrangular em vez de cilíndrica, como uma caixa de pasta de dente (reconstituição 2, feita nos anos 2000).
No artigo publicado pela Royal Society, o primeiro autor Bruno Becker e seus colegas — que incluem Marcello Simões, do Instituto de Biociências (IBB) da Unesp em Botucatu e Lucas Warren, do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) no campus de Rio Claro — argumentam que nenhuma dessas versões está correta: ambas confundem tafonomia e morfologia.
A equipe apresenta evidências de que a Corumbella, na verdade, era bem mais simples do que se especula — e vinha enganando os especialistas. “O tubo dela cônico-cilíndrico e feito de anéis justapostos, e muitos dos detalhes que intrigaram os cientistas por décadas na verdade eram marcas de deformação durante a fossilização”, explica Simões (reconstituição 3, de 2025).
Fonte: Superinteressante
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