
Os probióticos que curaram Hitler
Publicado em 27 de setembro de 2025 às 16:00
4 min de leituraO texto a seguir é um trecho do livro O surpreendente mundo da ciência, de Joe Schwartz. Saiba mais sobre a obra no final da matéria.
Heinrich Hoffmann contraiu gonorreia; logo, procurou ajuda do Dr. Theodor Morell, que se tornara o médico da moda em Berlim, tratando os ricos e famosos com vitaminas, ervas e vários extratos de glândulas animais. Aparentemente, Hoffmann ficou satisfeito com o tratamento que recebeu,qualquer que tivesse sido, pois recomendou Morell ao seu chefe, que por acaso era Adolf Hitler. Hoffmann era o fotógrafo oficial e membro de confiança do círculo mais íntimo do Führer.
Hitler sofria de problemas intestinais crônicos. Além disso, estava bastante irritado com o pouco que seus médicos conseguiam fazer para aliviar seus problemas, de forma que concordou em se encontrar com Morell, que o tratou com Mutaflor, uma preparação que continha bactérias vivas. O líder nazista ficou tão exultante com seus efeitos que fez de Morell seu médico pessoal, para grande consternação de muitos em seu entorno mais seleto. Hermann Göring, fundador da Gestapo, e Heinrich Himmler, o principal arquiteto do Holocausto, rejeitaram Morell como charlatão e oportunista.
De fato, a história de Morell estava longe de ser gloriosa – alegou falsamente, por exemplo, ter estudado com Ilya Mechnikov, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1908 por seu trabalho sobre imunidade. Morell havia inventado essa proximidade com Mechnikov para melhorar sua própria reputação. Aquele cientista ucraniano havia conquistado fama graças à descoberta de um tipo de célula imune, que tem a capacidade de engolfar e ingerir substâncias nocivas, como bactérias e células mortas ou moribundas. Essas células seriam denominadas “fagócitos”, do grego phagein, que significa “comer”, e cyte, termo que expressa “célula”.
Nesse contexto, Mechnikov havia estudado micróbios no intestino e teorizado que aumentar a população de bactérias inofensivas poderia conter o crescimento de organismos causadores de doenças. Como todas as bactérias no intestino competem pelo mesmo suprimento de nutrientes, aquelas que são prejudiciais passariam fome e acabariam sendo devoradas pelos fagócitos.
Mechnikov acreditava que bactérias produtoras de ácido láctico, como as encontradas no leite azedo, eram a chave para uma boa saúde – chegou até mesmo a atribuir a suposta longevidade dos camponeses búlgaros ao consumo de iogurte. Ele próprio bebia leite azedo todos os dias, estabelecendo assim a base para o uso do que hoje chamamos de “probióticos”, do latim “para a vida”. Por definição, tais substâncias seriam constituídas de “micro-organismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício à saúde do hospedeiro”.
O professor Alfred Nissle era um especialista em doenças infecciosas e, portanto, familiarizado com o trabalho de Mechnikov. Em 1917, ele conseguiu isolar uma cepa da bactéria Escherichia coli contida nas fezes de um soldado resistente a uma epidemia de diarreia, provavelmente causada pela bactéria Shigella. Ele supôs que essa cepa, que passaria ser conhecida como E. coli Nissle 1917, era um “probiótico” que havia vencido a Shigella. Nissle introduziu essa cepa na prática clínica com o nome de Mutaflor, alegando que trataria doenças intestinais – o que, de fato, ocorreu, com graus variados de eficácia. Foi isso que Morell receitou para Hitler, aparentemente com sucesso.
Muito antes do Mutaflor, as pessoas consumiam probióticos por meio de alimentos fermentados, como chucrute, missô, tempeh, kefir, kimchi e iogurte. Todos esses alimentos são produzidos por meio do crescimento controlado de micróbios, como leveduras e bactérias; historicamente, foram considerados saudáveis devido ao seu conteúdo de bactérias vivas.
Na década de 1800, pacientes com todos os tipos de queixas visitavam o sanatório do Dr. John Harvey Kellogg em Battle Creek, Michigan, onde eram tratados com “fermento láctico” – em outras palavras, iogurte. Kellogg foi um dos primeiros discípulos de Mechnikov e exaltou as virtudes dos lactobacilos como um meio de “expulsar germes responsáveis por doenças”. Defendeu a administração de iogurte tanto oralmente quanto por meio de enemas, “cultivando, dessa forma, os germes protetores onde eles são mais necessários e podem prestar seu serviço de maneira muito mais eficaz”.
Kellogg e Mechnikov, ao que parece, estavam no caminho certo. Desde a década de 1990, a pesquisa sobre probióticos explodiu com a composição de bactérias no intestino, a chamada microbiota, sendo associada ao diabetes tipo 2, hipertensão, depressão, doença de Alzheimer, câncer colorretal, obesidade e doenças inflamatórias do intestino, como colite – que historiadores com especialidade em medicina acreditam ter sido a causa dos problemas intestinais de Hitler. Portanto, é concebível que o Mutaflor tivesse sido útil no caso do Führer. Como consequência, passou a depender de todos os demais medicamentos que Morell sugeriu para suas várias outras queixas, que incluíam dores de cabeça, resfriados constantes e insônia.
Morell manteve registros meticulosos de seu “Paciente A”. Esse material sobreviveu à guerra, sendo posteriormente analisado de forma sistemática. Entre 1941 e 1945, Morell tratou Hitler com 29 injeções e 63 comprimidos orais, todos diferentes entre si, que incluíam codeína, cocaína, testosterona, sulfonamida, oxicodona, estricnina, beladona, extratos biliares, morfina e barbitúricos. O Vitamultin era a mistura especial de vitaminas de Morell, produzido em uma das empresas farmacêuticas altamente lucrativas que pertenciam ao médico. Após Hitler receber essas injeções, alegava que se sentia revigorado e disposto. Himmler, que desconfiava de Morell, analisou secretamente uma de suas pílulas de Vitamultin e descobriu que continha metanfetamina.
Fonte: Superinteressante
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