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Canto antecipado, comida no lixo, ninhos em prédios: pesquisas mapeiam adaptações de aves que vivem em cidades
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Canto antecipado, comida no lixo, ninhos em prédios: pesquisas mapeiam adaptações de aves que vivem em cidades

Publicado em 28 de setembro de 2025 às 16:00

4 min de leitura

O texto abaixo foi publicado originalmente no Jornal da Unesp.

O sabiá-laranjeira, um pássaro de 23 cm comum nas metrópoles brasileiras, é conhecido por cantar a plenos pulmões poucas horas antes do amanhecer. O canto é uma ferramenta destinada a atrair as fêmeas da espécie, e tentar transformar esse encontro em uma oportunidade reprodutiva. E a escolha por fazer seu recital de madrugada também é estratégica. O elevado nível de ruído que caracteriza a vida nas maiores aglomerações urbanas, em especial durante o horário comercial, simplesmente impossibilita que as fêmeas escutem a melodia. Já em cidades menores ou na natureza, essa ave de peito ruivo pode soltar a voz num horário mais tardio.

Alguns anos atrás, as dificuldades do sábia-laranjeira com o ruído urbano foram abordadas por diversos veículos de imprensa graças a um projeto de ciência cidadã chamado A Hora do Sabiá, iniciado em 2013. O biólogo Sandro von Matter coletou dados com auxílio de milhares de voluntários não especialistas em diversas cidades dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, e concluiu que o canto do animal nas metrópoles se inicia até cinco horas antes, em relação às cidades menores, interioranas.

Não há um artigo que aborde os horários do sabiá publicado em um periódico científico, mas pesquisadores consultados pelo Jornal da Unesp confirmam que os efeitos ensejados pelas cidades sobre a rotina desses pássaros. Na verdade, há evidências semelhantes coletadas mundo afora.

Em um artigo publicado na Science, uma dupla de biólogos americanos analisou 60 milhões de amostras de canto coletadas de 583 espécies de pássaros diurnos, e conclui que elas estão prolongando seu canto por uma média de 50 minutos diários. O artigo atribuiu o fenômeno principalmente à luz artificial das cidades, que engana o relógio biológico da fauna fazendo parecer que ainda é dia.

Esse resultado, porém, se baseia em dados de pássaros de regiões temperadas, em que a extensão do dia varia perceptivelmente ao longo do ano (em Londres, o Sol se põe às 16h em dezembro e às 21h em julho). Isso significa que a fauna local é sensível à duração da luz. Em locais mais próximos do Equador — como no Norte do Brasil —, o tempo total de luz solar é praticamente fixo ao longo do ano, e faz sentido levantar a hipótese de que outras variáveis interfiram mais no comportamento dos pássaros.

Pesquisadores da Fundación Chimbilakom, dedicada à preservação da biodiversidade na Colômbia, analisaram o canto de tico-ticos (Zonotrichia capensis) em 33 pontos da capital Bogotá e concluíram que a poluição sonora é mais relevante que a luminosa: indivíduos de lugares mais ruidosos começam, de fato, a cantar mais cedo — mas a presença de luzes artificiais não tem o mesmo efeito. Por lá, a variação na duração dos dias ao longo do ano é de apenas 21 minutos. O artigo foi publicado no periódico Royal Society Open Science.

Em BH, espécies diferentes selecionam ruas com perfis distintos

O horário e a duração das melodias é só um dos indicadores de como as cidades interferem na rotina das aves. Em um trabalho publicado em 2023 no periódico Landscape and Urban Planning, o ornitólogo João Carlos Pena, pesquisador do Centro de Estudos Ambientais (CEA) no câmpus da Unesp em Rio Claro, descreve como ambientes urbanos variados atraem ou afastam diferentes tipos de espécies aladas. Ele e seus colegas coletaram dados sobre 73 variedades de pássaros em 60 pontos no centro e no sul da capital mineira de Belo Horizonte.

Pena concluiu que em áreas arborizadas, silenciosas e com construções mais baixas, como parques e ruas residenciais, há um predomínio de espécies de menor porte com ninhadas maiores. Pássaros que se alimentam principalmente de néctar são mais comuns por causa da maior presença de flores, bem como espécies acostumadas a forragear no chão ou em plantas baixas como arbustos. Por fim, a biodiversidade é maior, e representantes da fauna nativa são mais frequentes do que aves originárias de outras partes do planeta.

Por outro lado, locais que apresentam prédios mais altos e maior circulação de pessoas têm menos biodiversidade e mais espécies de grande porte, que costumam ser onívoras, insetívoras ou frugívoras. Trata-se de um contexto mais propício a animais generalistas, de hábitos flexíveis, como as pombas. As aves do centrão das cidades tendem a fazer ninhos em árvores e explorar menos o nível do solo. Por fim, a população de espécies nativas é menor em relação à de não nativas (um exemplo numeroso de bicho estrangeiro é o pardal, oriundo da Eurásia).

Fonte: Superinteressante

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